sábado, 10 de março de 2012

Avaliação psicológica periódica: problema ou parte da solução?

Sandra Regina Costa de Mattos
Psicóloga credenciada pela DPF
Pós-graduada em Gestão de Políticas Preventivas da Violência,
Direitos Humanos e Segurança Pública.

A instituição Guarda Civil se propõe á uma atuação diferenciada, com profissionais preocupados em atender diferentes necessidades dos cidadãos, sendo a prevenção do crime conseqüência de uma boa atuação e, apenas mais uma das faces do trabalho. Já o homem que atua no sistema de segurança em geral, é um ser humano com tudo em comum com os demais, entretanto o seu fazer acaba por diferenciá-lo. Assim a legislação, que regula a atuação dos profissionais das guardas civis, dá mostras de evolução, na medida em que propõe a avaliação psicológica inicial e periódica e a reciclagem técnica para o porte de armamento de fogo. O que pareceu uma discriminação injustificada tornou-se um diferencial positivo importante quando se compara o guarda civil aos demais operadores do sistema de segurança pública.
O policial civil, o militar e outros profissionais da área de segurança pública, passam pelas agruras da profissão, e não contam com a possibilidade de uma intervenção viabilizada por um diagnóstico mais precoce, como a avaliação psicológica periódica bi-anual oferece. Estes profissionais só terão a atenção da corporação, á qual servem voltada para si quando da ocorrência de fatos e comportamentos inadequados e incompatíveis com a função, provocando escândalo e abalando a opinião pública, ferindo á imagem da corporação com grande exposição na mídia.
O guarda civil ao entrar na corporação, logo percebe que embora humano e com necessidades idênticas á qualquer ser humano, deve ter alguns comportamentos e talvez sentimentos, diferentes em relação aos semelhantes. Durante sua jornada de trabalho, deve considerar os demais como merecedores de cuidados e atenções especiais.  Mas deve considerá-los também, como pessoas das quais convêm manter um distanciamento que permita melhor percepção de suas intenções e, portanto, requer cautela ao lidar. Deve também assimilar que os demais indivíduos esperam dele um comportamento que inspire confiabilidade e credibilidade. Seus erros são de bastante visibilidade e de conseqüências graves, podendo envolver a vida e a morte de outros e a sua própria. Já suas ações corretas geralmente não são reconhecidas. Seu cotidiano está cheio de situações onde seus limites emocionais e capacidade de controle, são testados. Isso tudo lhe atribui responsabilidades, certo prestigio e bastante desgaste emocional.
As responsabilidades de que falamos referem-se á capacitação para atender ás pessoas em diferentes situações emergenciais e de carências diversas. Ao se deparar com a necessidade do usuário do serviço, o guarda acaba tendo que deixar prevalecer a sua formação humanista e sua sensibilidade para fazer a leitura correta da situação, além de manter uma racionalidade e técnica para efetivamente atender. Essa racionalidade refere-se á capacidade de atuar com firmeza e presteza, ao ponto de impedir inclusive que a vontade do outro seja feita. O senso de julgamento do profissional deve ser apurado de maneira que lhe ofereça subsídios para agir como mediador ou para impedir as ações perniciosas.
Dependendo de seus processos internos, de sua dinâmica psicológica, o individuo pode, em situação de intensa emoção e alteração de seus afetos, optar por decisões questionáveis pela razão, além de levar o organismo ao stress, ou seja, a um insistente esforço de adaptação que certamente cobra seu preço ocasionando desgaste prematuramente.
Os profissionais de segurança devem estar habituados a fazer uma leitura correta de seus estados emocionais e consequentemente de seus sentimentos, aptos á escolher a resposta adequada no tocante a utilização de recursos, equipamentos e procedimentos.
Certamente uma serie de fatores estão envolvidos nas ações policiais inadequadas, onde a violência se sobressai, mas a condição do profissional, seu preparo e seu autodomínio, juntamente com condições de trabalho que satisfaçam as suas necessidades humanas e as necessidades do trabalho em si, podem ajudar muito a promover a tão desejada cultura de paz, de respeito e civilidade entre indivíduos.
O que a avaliação psicológica faz pelos profissionais e em conseqüência pelas corporações não é pouco. Graças á avaliação psicológica, o guarda civil pode ter acesso ao psicólogo, que ouve seus problemas pessoais e profissionais, orienta na busca por soluções; atua preventivamente na medida em que impõe limites em sua atuação armado, na rua, quando está mais vulnerável e exposto a cometer erros em função de seu desequilíbrio psicológico; o psicólogo o acolhe nos momentos de maior angustia, mostra-se continente; se “instrumentaliza” para melhor compreender sua dinâmica psicológica, em fim, o apóia. Muitas corporações não dispõem do profissional da psicologia em seus quadros funcionais, sendo a avaliação psicológica a única oportunidade de contato entre o guarda e psicólogo.

Em relação á Instituição, o psicólogo consegue ter uma visão completa de seu efetivo e pode traçar um perfil de seus recursos humanos, o que o ajuda a propor ações corretivas e preventivas. Vê com bastante precisão e a isenção necessária onde estão os problemas de relacionamento humano e suas graves conseqüências, apontados pelos guardas e por suas chefias como geradores de alterações na saúde emocional e no desempenho profissional e produtividade de todo um efetivo, ás vezes.  

Diante disso, o que começou como um problema para as corporações, que era ter que submeter-se á avaliação psicológica, ter que aprender a lidar com seus resultados, com seus problemas, com seus “inaptos” ao porte de armamento, tem-se confirmado como instrumento de melhora dos serviços prestados, com profissionais mais qualificados, preparados e especializados em lidar com situações emocionalmente intensas. Outras corporações como as citadas anteriormente, e outras forças de segurança que não estão obrigadas a realizar a avaliação psicológica periodicamente, e só a realizam no ingresso, não têm como prevenir que os profissionais só sejam encaminhados depois que os problemas já ficaram grandes demais para serem assimilados, com desvios de comportamento importantes e com graves conseqüências para eles próprios, para  usuários e para a  imagem das instituições ás quais servem.

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